Santa Catarina, crise financeira e CPI da Dívida Pública

Santa Catarina, crise financeira e CPI da Dívida Pública
Santa Catarina, crise financeira e CPI da Dívida Pública
Rubem Alves, hoje (9 de dezembro), no jornal Folha de S. Paulo, escreve sobre a morte e o silêncio, onde diz: "A morte faz calar as palavras. São inúteis, servem para nada. Somente os tolos tentam consolar. Eles não sabem que as palavras de consolo, brotadas das mais puras intenções, são ofensas à dor da pessoa golpeada pela morte, porque são ditas no pressuposto de que têm poder para diminuir o vazio." É esse vazio da morte que centenas de famílias, em Santa Catarina, viveram nas últimas semanas diante da catástrofe que se abateu sobre aquele estado.Eu e a senadora Heloísa Helena, presidenta nacional do PSOL, estivemos lá semana passada visitando as áreas atingidas. Chamou-nos a atenção mais do que tudo a força de vontade daquelas pessoas diante de uma tragédia de tamanhas dimensões. Além do número-recorde de vítimas fatais, a maior parte das pessoas mortas por soterramento, as vítimas que sobreviveram perderam não só as suas casas, mas o próprio chão onde viviam. Perderam familiares, amigos, pais, irmãos, avós, sobrinhos, filhos, em uma tragédia que não tem proporções semelhantes no Brasil.E essas pessoas só não perderam a esperança, apesar de terem motivos de sobra para isso e da demora do Governo em reconhecer a gravidade da situação, e diante de medidas que soaram como uma piada de mau gosto, como foi o oferecimento de uma linha de crédito com juros 1% menores para aqueles que comprovarem que perderam tudo e ganham menos de R$ 2 mil. Essa foi uma das respostas que o Governo Lula deu às vítimas das enchentes e dos deslizamentos em Santa Catarina. Na verdade, em vez de assumir diretamente a responsabilidade por juntar os cacos daquelas vidas que foram destroçadas, o Governo acabou transformando a tragédia em um novo nicho de clientela para os bancos, oferecendo crédito para essas pessoas que perderam tudo. Oferecendo a elas a possibilidade de utilizar o seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, reservas acumuladas ao longo de uma vida para que elas pudessem compensar a aposentadoria minguada que receberão posteriormente.Fiquei realmente chocada com a falta de sentido de urgência do Governo Federal diante da tragédia de Santa Catarina. Uma tragédia que não se explica apenas pelo desmatamento, pelo plantio de eucaliptos, pelos maus tratos que a natureza vem sofrendo no estado de Santa Catarina, de responsabilidade de prefeituras e de governos estaduais; também é uma tragédia decorrente da situação ambiental global. Nosso planeta está ameaçado por uma devastação sem precedentes, que se une agora a uma crise também econômica, que atinge o mundo inteiro.Há lentidão nas respostas imediatas às pessoas que estão sofrendo em Santa Catarina, como esse casal — vimos a notícia no dia de hoje, na cidade de Gaspar — , que havia sido removido de sua casa e voltou. Eles morreram soterrados por voltarem a uma área interditada. Pessoas que não aceitam que perderam tudo. Vimos muitas em nossa viagem, eu e a senadora Heloísa Helena. Tudo o que essas pessoas querem é voltar para suas casas, mas não podem; algumas porque perderam a casa e o próprio terreno onde a casa estava assentada; outras porque a casa está interditada e ainda não foi liberada pela Defesa Civil. Os geólogos que lá se encontram são poucos — eles disseram isso, inclusive pela televisão — , e há muitas casas a serem vistoriadas. Por isso, esse processo pode levar meses.Por que o Governo Federal não manda mais geólogos para Santa Catarina, para agilizar o processo de vistoria das casas? Por que o Governo não manda recursos suficientes para que se possa abrigar dignamente essas pessoas, construindo casas de emergência? Ninguém agüenta viver em abrigos coletivos, em escolas, onde a não há a mínima condição de vida. É o que ocorreu com esse casal, um sinal do que pode vir a ocorrer com outras pessoas que lá estão nos abrigos, desesperadas para voltar para suas casas.Há uma ausência absoluta do sentido de urgência por parte do Governo Federal, que foi muito diligente nas medidas para atender aos interesses do capital financeiro, diante da crise econômica mundial e editou medidas provisórias extremamente importantes para o setor financeiro, como a MP nº 442, que permite aos bancos depositarem garantias podres em troca de empréstimos concedidos pelo Banco Central; a MP nº 443, que permite ao Banco do Brasil e à CEF comprarem instituições financeiras e construtoras em dificuldades; a MP nº 445, que destina os dividendos da CEF para a garantia de empréstimos das construtoras; a MP nº447, que posterga em cinco a dez dias o pagamento de tributos pelas empresas, a redução no empréstimo compulsório para os bancos, a compra de carteiras de crédito de bancos privados pelo Banco do Brasil e a CEF. Essa agilidade no atendimento ao mercado financeiro o Governo não tem no atendimento às vítimas de Santa Catarina.Baixou uma medida provisória que destina cerca de R$ 1 bilhão para o estado, é verdade, mas só para o Porto de Santa Catarina serão necessários R$ 350 milhões de reais. É preciso que se diga o que farão as pessoas que ficaram sem casa e sem terreno para voltar e reconstruirem suas vidas. Não temos uma resposta do Governo. A solidariedade dos brasileiros é que está salvando as vítimas de Santa Catarina. Mantimentos, recursos, material de higiene e dos mais diversos têm chegado para as vítimas a partir das doações feitas pela população.Mauro Benevides (PMDB/CE)"Primeiro, quero solidarizar-me com v. exa. no momento em que transforma o seu discurso numa conclamação aos poderes públicos para uma ação mais eficaz e decidida que se contraponha à calamidade que atingiu Santa Catarina e, por um imperativo de solidariedade, alcançou todos os brasileiros. V. exa., ao advertir os setores governamentais competentes, chama-os para uma atuação decidida, firme e constante que supere os efeitos da enxurrada que atingiu aquele estado sulino.V. exa., do vizinho Rio Grande do Sul, pode pressentir o que significa — mais do que nós de outra região — esse descalabro para aquele estado, hoje dirigido por Luiz Henrique da Silveira. Digo à v. exa. que o governador, pelo que sei, já estaria em Brasília para reesquematizar com o Governo Federal providências, no âmbito da União — particularmente do Ministério da Integração Nacional e da Secretaria de Defesa Civil — , alternativas que repusessem Santa Catarina num quadro de reparação para todas aquelas famílias que, desalojadas, reclamam pronto e eficaz atendimento do Governo.Meus cumprimentos a v. exa., deputada Luciana Genro, pela conclamação que faz neste momento. Muito mais que um discurso, o seu pronunciamento é uma conclamação de alerta aos brasileiros e, sobretudo, ao Governo Federal."Luciana GenroMuito obrigada, deputado Mauro Benevides. É exatamente esse o espírito do meu pronunciamento, um alerta, porque estamos diante de uma tragédia nunca antes acontecida no Brasil, com tamanhas proporções. Trata-se de um fenômeno da natureza, é verdade, mas que tem o envolvimento humano, haja vista os desmatamentos, o aquecimento global e, principalmente, o agravamento das conseqüências pela falta de atendimento rápido às vítimas. Refiro-me não apenas ao atendimento em levar os desabrigados para abrigos, trabalho que a Defesa Civil tem realizado com muita coragem e dedicação. A propósito, estão de parabéns os responsáveis, particularmente o tenente-coronel Kern, que nos recebeu em Itajaí. Ele, sua equipe e policiais de todo o Brasil têm trabalhado com muita determinação em defesa das vítimas.As pessoas que perderam tudo querem respostas. Elas não querem viver em abrigos, não querem viver de favores, querem reconstruir suas vidas. É essa a resposta imediata que precisa ser dada. Portanto, não é possível ouvirmos pela televisão geólogos dizer que vão levar muito tempo para vistoriar as casas, porque eles são poucos, porque estão em número reduzido. Certamente temos no Brasil geólogos de sobra que, se enviados pelo Governo Federal, ficarão felizes em fazer esse trabalho. O mesmo ocorre em outras áreas, particularmente na reconstrução das casas e na definição de novos locais para que as pessoas que perderam seus terrenos possam recomeçar a vida.Esse sentido de urgência, essa mobilização é necessária por parte do Governo Federal. O Brasil está mobilizado, a população brasileira está solidária e está ajudando. Agora, a urgência precisa ser também o modus operandi do Governo Federal. Mas só vemos o Governo operar com urgência em defesa do capital financeiro, como nas medidas provisórias que já elenquei. Elas tentam dar uma resposta à crise econômica mundial — que já está atingindo o Brasil de forma brutal — , mas dão uma resposta equivocada, porque só interessam aos bancos, ao capital financeiro e à estabilidade dos mercados, quando precisamos lutar pela estabilidade do povo brasileiro.E o povo brasileiro está muito apreensivo, particularmente aqueles que trabalham nas empresas em que se decretaram férias coletivas. Esse é o caso da Volkswagen do Brasil, que decretou férias coletivas em três fábricas; é o caso da Vale do Rio Doce, que suspendeu as atividades em duas unidades no Espírito Santo, demitiu 1,3 mil funcionários em todo o mundo e deu férias coletivas para 5,5 mil funcionários; é o caso da General Motors do Brasil, que decretou férias coletivas em Gravataí, no Rio Grande do Sul, meu estado, para todos os 5,2 mil funcionários. Plantas paulistas também estão prestes a anunciar férias coletivas. Nos Estados Unidos, a montadora já demitiu 2 mil pessoas.A Gerdau, no Brasil, antecipou as férias coletivas. Em São Paulo, são 4,4 mil funcionários em férias. Em Sapucaia, no Rio Grande do Sul, o meu estado, todos os funcionários estão em férias. A Votorantim no Brasil suspendeu a construção da nova fábrica que estava prevista no Rio Grande do Sul e demitiu 118 dos 207 funcionários de Capão do Leão, também no estado do Rio Grande do Sul. Na Volvo do Brasil, em Curitiba, 430 funcionários demitidos. Em Pederneiras, São Paulo, 102 funcionários demitidos, e ampliou também as férias coletivas.Então, os trabalhadores estão sendo, mais uma vez, as vítimas da crise. São eles que estão sendo chamados a pagar a conta. A conta de uma crise que foi provocada pelo próprio sistema capitalista e que é resultado das próprias imperfeições do sistema capitalista. Aliás, muito bem explicadas por Karl Marx, no seu livro O Capital, que está hoje mais atual do que nunca, demonstrando a impossibilidade do capitalismo oferecer uma saída para a classe trabalhadora, demonstrando as limitações do próprio capitalismo, suas próprias contradições que levam a essas crises cíclicas. Esta, em particular, de uma gravidade que só encontra similar na Crise de 29, que hoje se encontra com essa crise ambiental, que mostra suas conseqüências no exemplo de Santa Catarina, aqui mais perto de nós, mas que tem conseqüências para o planeta e que coloca o próprio planeta em risco.As respostas que os governos têm dado são aquelas que só interessam ao capital, que só interessam ao capitalismo, que ignoram as pessoas que são vítimas dessas catástrofes ambientais e econômicas. Por isso, nós queremos que esta crise econômica mundial e os seus efeitos no Brasil sejam respondidos com medidas que interessem à classe trabalhadora. Não é possível que as empresas que lucraram milhões ao longo dos últimos anos, inclusive na ciranda financeira que levou à crise econômica, agora possam demitir livremente seus trabalhadores.Por que o Governo não toma nenhuma medida punitiva, nenhuma medida para evitar as demissões que não seja dar mais dinheiro para montadoras, mais dinheiro para bancos? Não é possível que os bancos, que são aqueles que mais lucraram no último período, comecem também a demitir seus funcionários. Não é possível que sejam cortados investimentos, que sejam cortados míseros reajustes aos servidores públicos.A proposta do senador Paulo Paim, de reajuste para os aposentados, digno, de acordo com o salário mínimo de recuperação das perdas, de fim do fator previdenciário, não deve ser descartada por conta da crise econômica mundial ou por conta de um suposto rombo na Previdência Social que não existe. O Governo despeja dólares e mais dólares nas mãos dos capitalistas, em especial dos banqueiros para atender aos seus interesses. E o que resta ao povo? Restam cortes, arrochos, altas taxas de juros, baixos salários, aposentadorias minguadas, serviços públicos, cada vez mais, de piores qualidades, altas tarifas públicas, contas a pagar — cada vez mais alta — na água, na luz e no telefone. E os capitalistas que provocaram a crise, que lucraram com a crise, continuam lucrando, continuam recebendo as benesses do Estado.Não aceitamos essa lógica, assim como não aceitamos a paralisia do Governo diante de catástrofes como a de Santa Catarina. Também não aceitamos a falta de sentido de urgência para atender os interesses dos trabalhadores que estão ameaçados pela crise econômica mundial, que chega ao Brasil e que provoca conseqüências para o povo brasileiro. Não aceitamos que os trabalhadores continuem pagando a conta da crise e cada vez mais o endividamento do país cresça para atender os interesses do capital financeiro.Quero aproveitar essa oportunidade para saudar a decisão do presidente Arlindo Chinaglia de instaurar a CPI da Dívida Pública, que começamos a defender através da Frente Parlamentar em Defesa da Auditoria da Dívida Pública. O deputado Ivan Valente coletou as assinaturas e conseguiu apresentá-las ao presidente no ano passado e agora deve ser instalada essa CPI. Temos absoluta certeza de que a auditoria da dívida pública no Brasil vai mostrar que, assim como no Equador, no Paraguai, na Bolívia, na América Latina inteira, nosso Continente foi espoliado, através dos perversos mecanismos da dívida externa. A dívida interna continua sendo um mecanismo de espoliação e de transferência de recursos públicos para os bancos, para os capitalistas, para os especuladores.Sr. presidente, deixo esta tribuna com esta conclamação: que o Governo Federal perceba o sentido de urgência no atendimento dos interesses do nosso povo, as vítimas de Santa Catarina, do desemprego e dos cortes nas aposentadorias feitas pelo Governo Fernando Henrique, e que tome medidas concretas de interesse da população. Infelizmente não tem sido essa a prática do Governo Lula, pertencente a um partido que nasceu para representar a classe trabalhadora e que governa a serviço dos interesses do grande capital. Essa é a grande tragédia do Brasil.Nós, do PSOL, pretendemos colaborar nessa mudança, para que tenhamos um dia um Governo que de fato pense nos interesses da maioria.Era o que tinha a dizer. Luciana Genro
Sr. presidente,

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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