Culpa de quem?

Quando se diz que a culpa é de todos, não se está seriamente interessado em apurar responsabilidades e logo, os responsáveis. De vez em quando, lemos e ouvimos que a culpa da Crise é de todos, o que é absolutamente falso. Ainda mais, quando se argumenta que todos devem pagar... Esta falácia surge sempre como justificativa da Austeridade que despudoradamente estão a impor aos portugueses. 

Na verdade, se alguma culpa tem o povo, só a tem por confiar na "bondade" das promessas feitas por políticos apátridas. Ainda que nos digam que a Democracia é o "Governo do Povo"... não é a este que cabe governar. Ora, se estamos, como estamos, deve-se às políticas que há cerca de 3 décadas têm hipotecado o País e nada mais.

Como se sabe, o Dr. Passos Coelho recusou e bem o PEC IV do então 1º. Ministro José Sócrates. Fê-lo por considerar que o seu conteúdo continha "sacrifícios inaceitáveis" para os portugueses socialmente mais débeis, o que contribuiu para a queda do Socrático Governo. Em Março de 2011, numa entrevista ao Wall Street Journal, chegou a declarar que "A nosso ver, o último pacote de austeridade não iria potenciar o crescimento mas impor sacrifícios inaceitáveis aos membros mais vulneráveis da sociedade. Eram demasiados impostos e uma redução de despesa insuficiente". Em Abril de 2011, assinou, juntamente com outros parceiros do "Arco do Poder" (PS, PSD e CDS), um "Memorando de Entendimento" com a Troika, no qual se prevê, entre outros, a redução de salários e a perda de direitos sociais, como desideratos fundamentais para o "Resgate Financeiro" do País. Será? Durante a campanha eleitoral, no final de Maio de 2011, o atual 1º. Ministro evitou falar na Austeridade embutida naquele acordo e assentou o seu discurso na promessa de que o seu Governo não seguiria a política do seu antecessor, nomeadamente em matéria de "sacrifícios"... Todavia, mal chegou a São Bento, retomou a saga do empobrecimento dos portugueses. Logo nesse ano rapou uma parte do subsídio de Natal... Lembram-se? Para quem estava contra "sacrifícios inaceitáveis", não começou mal, não senhor... Das duas, uma: ou o Dr. Passos Coelho assinou de cruz o memorando, ou deliberadamente enganou o povo para se sentar no "Trono da República". Venha o diabo e escolha...

Obviamente que não há apenas culpados internos... A Crise Financeira, que não aconteceu de um dia para o outro, nem por obra e graça do Espirito Santo, tem muita gente de top envolvida, nomeadamente políticos de renome, banqueiros e operadores de mercado. Sob a influência do Neoliberalismo, alguns líderes ocidentais, nomeadamente Ronald Reagan e Margaret Thatcher, assessorados por boys que migraram das administrações dos grandes bancos para a cadeira do Poder, permitiram a desregulação sucessiva dos mercados financeiros, o que trouxe de volta o espectro da "Grande Depressão" de 1929.

Além disso, os modernos "manipuladores financeiros" contam com instrumentos que permitem criar a ilusão de riqueza fácil e pôr a salvo os resultados da sua rapina especulativa. Referimo-nos à Informática, cada vez mais evoluída, que permite como nunca, a criação de dinheiro que só existe no monitor de um computador, e às praças de Off-shore, onde se lava dinheiro do tráfico de drogas e de armas e se acomodam estoques significativos de Capitais oriundos das operações de trading da Indústria Financeira. A falência do Lehman Brothers em Setembro de 2008, um dos colossos do investimento especulativo dos USA, pôs a descoberto a fragilidade de uma Economia focalizada no financiarização, tendo dado início ao Tsunami da Crise Financeira, cujas ondas de choque continuam a avassalar a Economia de diversos países, nomeadamente os periféricos da União Europeia. Na véspera, curiosamente, a classificação daquele banco era AAA... Vai-se lá saber porquê. O mesmo já havia acontecido com a Enron, um potentado norte-americano da energia e da comunicação, em 2001. Igualmente na véspera do Crash de Wall Street, em 1929, "especialistas de mercado" anunciavam que a bolsa estava bem, enquanto tratavam de pôr a salvo o fruto da sua especulação... Decididamente os governantes sofrem de amnésia...

Despoletada a Crise, o Sistema Bancário Internacional ficou de repente com insuficiente liquidez. Os bancos, porque usaram e abusaram dos fundos dos seus depositantes em aplicações de alto risco, ficaram sem reservas suficientes para satisfazer os pedidos de reembolso, nomeadamente de milhares de pequenos investidores enganados pelo jogo bolsista. Vai daí que os Governos tiveram que abrir o "chapéu protetor do estado" para os salvar da falência iminente. Alguns Estados, como Portugal, que já não emitem moeda própria, tiveram que caucionar a injeção de liquidez para acudir a banca nacional ameaçada de bancarrota. Só de uma vez e ainda no Consulado de José Sócrates, o Estado português foi fiador de 9 mil milhões de Euros. Com o advento da Troika, foram mais 12 mil milhões de Euros. Mas desta feita, integrados no plano de resgate financeiro... Toma lá que é democrático! Dá-se o caso que o BCE, por causa dos Tratados de Maastricht e o de Lisboa, assinados respetivamente pelos Governos de Guterres e de Sócrates, está "impedido" de emprestar dinheiro diretamente aos Estados membros. Fá-lo através do sistema bancário, porém, quando o empresta aos bancos, exige que o Estado seja o fiador... Vende a 1 e a 1,5% à banca e esta o revende aos Estados a taxas da ordem dos 5%. O negócio dos bancos são os juros, logo têm que ganhar em qualquer circunstância, mesmo quando precisam do socorro do Estado...

Quem são então os culpados, o povo ou as lideranças políticas que se deixam corromper pelos mercados financeiros, cujos manipuladores têm agido dolosamente contra a Soberania dos Estados Nacionais?

Ponta Delgada, 11 de Outubro de 2012

Artur Rosa Teixeira

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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