EUA, com medo de terroristas, está armando terroristas

Há uma bem estranha contradição, no governo dos EUA, no que tenha a ver com sua política para os 'insurgentes' patrocinados pelo ocidente na Síria: hoje, enquanto uma matéria no New York Times obra para fabricar mais medo de 'terroristas' (Syria Militants Said to Recruit Visiting Americans to Attack U.S. / Militantes na Síria estariam recrutando norte-americanos em visita à Síria para atacar os EUA[1]), outra matéria diz que funcionários dos EUA teriam dito que U.S. Considers Resuming Nonlethal Aid to Syrian Opposition [EUA considera retomar o envio de ajuda não letal (sic) à oposição síria[2]], mesmo que a tal 'ajuda' acabe nas mãos dos mesmos islamistas que estão convertendo cidadãos norte-americanos em potenciais terroristas.

10/1/2014, Moon of Alabama - http://www.moonofalabama.org/
Da primeira matéria (9/1):

"O governo Obama considera retomar o envio de ajuda militar não letal à oposição síria moderada, disseram na 5ª-feira altos funcionário do governo, ainda que parte desse equipamento acabe por chegar a grupos islamistas aliados dos moderados.
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Funcionários do governo insistiram que nenhuma ajuda seria diretamente entregue à Frente Islâmica [orig. Islamic Front], organização guarda-chuva para meia dúzia de grupos rebeldes que trabalham para criar um estado islamista ortodoxo na Síria. A ajuda continuaria a ser encaminhada exclusivamente mediante o Supremo Conselho Militar, braço militar da oposição síria secular moderada.

Mas um alto funcionário do governo disse que "Você tem de levar em conta aspectos de como o Supremo Conselho Militar e a Frente Islâmica estão interagindo em campo", acrescentando: "Não há como garantir 100% que [a 'ajuda'] não acabará nas mãos da Frente Islâmica."

É claro que os EUA continuam a fornecer armas e treinamento a alguns dos grupos insurgentes. A conversa sobre "ajuda" só fala da parte "civil" (que inclui algumas armas) que o Departamento de Estado fornece. Ninguém fala do que a CIA e o Pentágono fornecem. A matéria é bem reveladora, ao comentar o depósito do Exército Sírio Livre cheio de produtos dos EUA que os islamistas invadiram:

"O governo tentou saber o que precisamente aconteceu nas primeiras horas de 7/12, quando a Frente Islâmica invadiu e assumiu o controle de depósitos em Atmeh, no norte da Síria, onde estavam armazenados produtos fornecidos pelos EUA, incluindo rações de comida, kits médicos e veículos.
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Mr. Ford disse a analistas que a Frente Islâmica devolveu os depósitos e o conteúdo deles, exceto armas leves e munição.

A mesma matéria menciona que a Frente Islâmica e outros braços do Exército Sírio Livre estão cooperando com a Frente al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda:

"O risco, dizem alguns analistas, não é que a ajuda norte-americana acabe em mãos do ISIL (Islamic State of Iraq and Syria / Estado Islâmico do Iraque e Levante [Síria]), mas em mãos da Frente al-Nusra, outro poderoso grupo rebelde que os EUA acreditam que tenha ligações com a Al-Qaeda, mas que muitos rebeldes veem como força considerável na oposição contra Assad. A Frente al-Nusra não integra a Frente Islâmica, mas tem laços próximos com alguns grupos incluídos sob o guarda-chuva da Frente."

A Frente al-Nusra é o mesmo grupo que estaria treinando cidadãos norte-americanos para convertê-los em terroristas. Da segunda matéria (10/1):

"Grupos islamistas extremistas na Síria com laços com a Al-Qaeda estão tentando identificar, recrutar e treinar norte-americanos e outros ocidentais em viagem ao país para que executem ataques no seu país de origem, quando retornarem, segundo altos funcionários da inteligência e do contraterrorismo dos EUA.
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Eric G. Harroun, ex-soldado do Exército, de Phoenix, foi indiciado em Virginia por um tribunal federal, ano passado, acusado de ter combatido ao lado da Frente al-Nusra, um dos grupos da oposição síria ligados à Al Qaeda. Em setembro, o ex-soldado declarou-se culpado, em troca de acusação mais leve, de conspiração para transferir artigos e serviços de defesa, e foi libertado sob custódia."

Agora, o governo Obama planeja - e anuncia pelo NYT - fazer exatamente o que Eric G. Harroun declarou-se culpado de ter feito.  Fornecerá artigos e serviços de defesa a insurgentes sírios, sabendo que tais itens praticamente com certeza acabarão nas mãos da Frente al-Nusra e outros grupos jihadistas... já sabendo que, muito provavelmente, serão usados para treinar cidadãos norte-americanos para que cometam atos terroristas nos EUA.

Pode-se atribuir esse 'movimento' a correntes divergentes de incompetência, dentro do governo Obama. Mas as duas matérias do NYT, postas em sequência, parecem mais um dedo de intimidação apontado para a cara do povo norte-americano: "Morram de medo daqueles terroristas, enquanto assistem ao nosso trabalhinho de criar mais terroristas". Como se sentirá o povo, diante de tudo isso?

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[1] 10/1/2014, http://www.nytimes.com/2014/01/10/world/middleeast/syrian-groups-try-to-recruit-us-travelers.html?ref=world&_r=2.
[2] 9/1/2014, http://www.nytimes.com/2014/01/10/world/middleeast/syria-aid-may-resume-despite-fears-over-where-it-will-go.html?rref=world/middleeast

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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