Para onde fomos

Há mais de dois anos, venho descrevendo o colapso financeiro e a tendência à depressão econômica e social em âmbito mundial. Não estava sendo pessimista.

Adriano Benayon*

Para decidir para onde vamos, há que entender onde estamos, e isso nos impõe sair com urgência do caminho atual, tomando outro, livre de engodos financeiros e midiáticos.

Há mais de dois anos, venho descrevendo o colapso financeiro e a tendência à depressão econômica e social em âmbito mundial. Não estava sendo pessimista.

Os acontecimentos mais recentes são ainda mais escandalosos, não só pelos efeitos dos desmandos anteriores dos concentradores financeiros - sempre protegidos pelos “governos” – mas, adicionalmente em decorrência de novos cambalachos. A origem está na realidade política. Se esta não mudar, haverá desdobramentos cada vez mais destrutivos.

Finanças

Segue aumentando a taxa de rendimento dos títulos de longo prazo do Tesouro norte-americano. Que significa isso? Que crescem as dúvidas sobre a capacidade de ele honrar esses títulos, a não ser com o FED emitindo moeda em quantidades hiperinflacionárias e, assim, acabando com o valor do dólar e, assim, com o dos próprios títulos. Nos dois últimos meses, o dólar já se desvalorizou em relação a outras moedas dignas de pouco crédito, como o euro, em 13%.

Alguns investidores oficiais asiáticos teriam declarado que não deixariam de comprar títulos do Tesouro dos EUA se fosse abaixada sua cotação pelas agências de risco de crédito. Nem assim houve recuperação do dólar por mais de um dia.

A própria elevação dos juros desses títulos decorreu da redução do interesse por parte dos investidores. Ademais, houve vazamentos de “notícias” à imprensa por parte de funcionários do Federal Reserve - FED, segundo os quais esse órgão não estaria mais visando a metas para a taxa de juros de longo prazo.

Isso quer dizer que o FED está sem condições de determinar essas metas, uma vez que a dívida pública dos EUA, de US$ 11,4 trilhões, já é alta demais e que as emissões de moeda também já ultrapassaram, há muito, os limites da razoabilidade.

A questão é financiar US$ 2 trilhões do déficit federal dos EUA do ano corrente, ou até mais, pois a depressão econômica reduz as receitas públicas, e as despesas crescem em proporções imprevisíveis, em função dos socorros a bancos e a empresas. A propósito, os preços dos imóveis nos EUA continuam caindo.

A situação não é diferente em outros países do “Primeiro Mundo”, como o Reino Unido, onde o Banco da Inglaterra oferece a taxa de juros mais baixa, desde que foi criado em 1694. O colapso alastra-se a numerosos outros países, sem falar no Leste Europeu, arrasado após ter passado das mãos da burocracia dita comunista para os braços de máfias ligadas aos centros financeiros mundiais, notadamente Londres.

Brasil

Quanto ao Brasil, valeria a pena que Lula não ficasse encantado com as cantadas de Obama e resgatasse o que ainda pode ser salvo das reservas aplicadas em títulos do Tesouro dos EUA e em outros denominados em dólar e em outras ex-moedas-fortes. Provavelmente isso só será feito quando houver sistema de governo no Brasil em condições de atender o interesse nacional.

O País está em recessão há oito meses. A queda na produção foi brusca na indústria e logo se estendeu a outros setores. Nas seis regiões metropolitanas cobertas pelo IBGE, o número de desempregados atingiu, em março, 2 milhões, o mais alto em 18 meses, e a taxa de desemprego oficial chegou a 9%, a mais alta desde setembro de 2007. A queda do emprego industrial em um ano já ultrapassa 5%.

Depressão

A depressão avança Mundo afora. Um de seus traços é a vertiginosa queda do emprego. A taxa oficial de desemprego nos EUA subiu de 5% para 8,9% em doze meses, até abril de 2009. Nesse período, o número dos desempregados aumentou 6 milhões, chegando a 13,7 milhões de pessoas. Cresceu, pois, 78%.

Na França e na Alemanha o desemprego em 12 meses subiu “só” 24% e 25%, sendo as atuais taxas 8,9% e 6,4% respectivamente. No Reino Unido, aumentou 34%, taxa atual 7,1%. Nesses países, o nível de renda, a tecnologia industrial e os serviços mais qualificados possibilitam desemprego menos alto. Na Espanha, base subimperialista dos britânicos, ele aumentou 100%, e a taxa atingiu 18,1%.

Na Alemanha, cuja indústria de máquinas ferramentas é das mais competitivas do mundo, as encomendas caíram, em um ano, 58%.

Maternalismo – Bancos e GM

Os sistemas de comunicação e de “educação” costumam acoimar de paternalismo as medidas com que alguns Estados protegiam a sociedade, através de benefícios trabalhistas e previdenciários, cobertura de despesas médicas etc.

Essas políticas sociais dinamizam a produção de bens e serviços e suscitam o desenvolvimento econômico e tecnológico. Por isso mesmo contrariam os objetivos de governo mundial da oligarquia financeira, que as fez demolir, desde os anos 80, através da desregulamentação, das privatizações e demais aplicações da ideologia neoliberal.

Disso resultaram a concentração, a desindustrialização, a proliferação dos ativos financeiros, o cassino dos mercados manipulados, tudo desembocando no colapso econômico em curso.

Que sucede em escala crescente desde que grandes empresas e bancos ficaram em perigo? A criação do maternalismo: o Estado, controlado pela oligarquia financeira, cuida dos concentradores com mais desvelo que uma mãe, de seus filhos.

Está na hora de os sociólogos e “cientistas” políticos da USP e de outras universidades jogarem na merecida cesta do lixo os escritos em que menoscabam o paternalismo. Deveriam investigar o presente maternalismo.

Por exemplo, que faz Obama, tido por opositor do reacionário Bush? Diante do déficit orçamentário causado pelos indecentes aportes de trilhões de dólares do Estado em favor de grandes bancos e empresas, pretende cortar despesas dos programas sociais MEDICARE E MEDICAID, perfazendo US$ 300 bilhões em dez anos.

Como foi a intervenção do Estado para promover a concordata da General Motors? Conforme George Palast (Global Research 02 de junho de 2009): 1) estão sendo eliminados 40 mil dos 60 mil empregos sindicalizados que restavam na GM; 2) uns poucos credores privilegiados, liderados pelo JP Morgan Chase Bank e pelo Citibank, vão receber 100% dos seus créditos (US$ 6 bilhões), enquanto acionistas estão perdendo tudo, e outros credores, quase tudo; 3) o dinheiro em caixa do seguro de saúde dos trabalhadores aposentados será abocanhado para pagar credores e substituído por ações da companhia em estado falimentar (17% a 25% do total das ações).

O autor do plano é Steven Rattner, o Czar de Obama para a indústria automotora. Rattner decidiu o enquadramento da companhia na lei de falências. Seu esquema foge às regras legais, conforme as quais os trabalhadores perdem algum salário contratual, os acionistas ficam com nada ou quase, e os credores obtêm parte do que sobra.

JP Morgan e Citibank já sugaram cerca de US$ 350 bilhões de ajuda por parte do Tesouro e do FED. Não coincidentemente, o Citibank pagou mais de US$ 100 milhões ao executivo Robert Rubin, ex-Secretário do Tesouro e homem-chave na obtenção do apoio dos bancos à campanha de Obama.

* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. [email protected]

04.06.2009

Publicado em A Nova Democracia, nº 54, 15.06-10.07.2009

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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